Introdução
Em meados de uma reunião de alto nível em Washington, em 2021, Jake Sullivan olhava para a tela, analisando números que contavam uma história de mudanças profundas no cenário tecnológico mundial. O conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos sabia que estava lidando com algo maior do que apenas segurança: era uma luta pela hegemonia tecnológica global. A China, sob a liderança de Xi Jinping, havia assumido uma postura ambiciosa e agressiva em áreas como semicondutores, inteligência artificial e telecomunicações. Sullivan, um veterano estrategista de política externa, tinha diante de si uma missão clara: impedir que os EUA perdessem a coroa de superpotência tecnológica mundial.
Essa guerra digital envolve mais do que novas inovações. Trata-se de uma competição de longo prazo por controle econômico, liderança ideológica e influência estratégica. Para os EUA, isso significa preservar sua vantagem em tecnologias de ponta; para a China, é uma chance de assumir o papel de líder global. O futuro do poder mundial, ao que parece, depende da resposta a uma pergunta central: quem dominará as tecnologias que moldarão o século XXI?
Ascensão da China: a batalha pelos semicondutores
A busca da China para desbancar os Estados Unidos como líder tecnológico começou muito antes de Sullivan assumir seu cargo em 2021. Em um movimento estratégico, o governo chinês vinha investindo bilhões em seu setor de semicondutores, uma peça vital para a tecnologia moderna. Processadores, microchips e outros componentes eletrônicos se tornaram o novo petróleo da era digital, e Pequim estava ciente disso.
A “Iniciativa Made in China 2025”, lançada em 2015, evidenciou esse compromisso. O plano visava transformar o país em um líder mundial em várias indústrias de alta tecnologia. Um dos pontos centrais dessa estratégia era a produção de semicondutores de ponta. Hoje, enquanto empresas como a Huawei e a SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation) buscam diminuir sua dependência de tecnologias ocidentais, a Casa Branca se vê diante de uma corrida frenética para garantir o domínio americano em uma das indústrias mais lucrativas do mundo.
Segundo um relatório do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), a produção global de semicondutores é dominada em grande parte pela Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e pela sul-coreana Samsung, com a China ainda tentando reduzir sua lacuna tecnológica. Em 2021, a SMIC anunciou planos ambiciosos de construir sua primeira fábrica de chips de 7 nanômetros, um marco importante para desafiar o domínio das gigantes americanas e asiáticas.
“A guerra dos chips não é apenas uma questão de segurança nacional, mas também de soberania digital”, afirmou um analista de tecnologia de Washington em entrevista recente. E para Sullivan, manter essa soberania é fundamental para preservar o poder dos EUA.
Jake Sullivan: um estrategista meticuloso
Jake Sullivan não é estranho à arena diplomática. Anteriormente assessor sênior de Hillary Clinton, ele se destacou por sua habilidade em articular políticas complexas em tempos de crise. No entanto, sua batalha atual é muito mais abrangente. Como arquiteto da política externa do governo Biden, Sullivan liderou uma estratégia de contenção e dissuasão contra a China que se expandiu além dos limites tradicionais de defesa.
Em seu papel de conselheiro de segurança nacional, Sullivan se concentrou em iniciativas de segurança cibernética e proteção da cadeia de suprimentos, áreas que muitos especialistas acreditam ser cruciais na guerra tecnológica contra a China. “O futuro das guerras e das economias está nos microchips”, afirmou recentemente em um evento em Washington.
O governo Biden, com Sullivan na linha de frente, adotou medidas como a proibição da venda de certos chips para empresas chinesas e a formação de alianças globais para pressionar a China. Em 2022, uma das iniciativas mais audaciosas foi o CHIPS Act, que destinou US$ 52 bilhões para subsidiar a produção e pesquisa de semicondutores em solo americano. O projeto foi descrito como um “marco para a segurança econômica” do país.
No entanto, o papel de Sullivan vai além da legislação. Ele assumiu a responsabilidade de supervisionar novas sanções econômicas contra empresas chinesas, promover acordos com nações asiáticas e reformular as políticas de exportação tecnológica dos EUA, evitando que tecnologias estratégicas caiam em mãos estrangeiras.
A luta pela Inteligência Artificial e telecomunicações
Embora a guerra pelos semicondutores esteja em foco, a luta entre China e Estados Unidos se estende a outros domínios tecnológicos críticos, como a inteligência artificial (IA) e as telecomunicações. A Huawei, gigante tecnológica chinesa, é um dos principais protagonistas nessa batalha. Em 2019, os EUA colocaram a Huawei em uma lista negra de comércio, alegando preocupações com a segurança nacional devido à sua relação com o governo chinês.
Jake Sullivan, como estrategista principal, ajudou a arquitetar essa política, priorizando o controle das exportações de tecnologia sensível para empresas chinesas. Os EUA temem que a China esteja utilizando avanços em IA e 5G não apenas para obter vantagens econômicas, mas também para melhorar suas capacidades militares e de vigilância.
Do lado chinês, a narrativa é diferente. Xi Jinping deixou claro que considera a tecnologia uma área fundamental para a independência e a segurança nacional da China. Em um discurso em 2021, Jinping afirmou que “tecnologia é a chave para o futuro, e a China deve ser a líder neste campo”. O governo chinês aumentou seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de lançar iniciativas para atrair talentos tecnológicos estrangeiros de volta ao país.
Tecnologias críticas: a corrida pela Inteligência Artificial
Para a China, o campo da inteligência artificial (IA) é talvez o maior campo de batalha. Nos últimos anos, o país tem investido fortemente em startups de IA, centros de pesquisa e na construção de infraestruturas digitais. Em 2017, o governo chinês lançou um plano nacional de IA, com a meta de transformar o país em líder mundial no setor até 2030.
A estratégia chinesa se baseia na integração de IA em todos os aspectos da sociedade, desde reconhecimento facial até análise de dados em larga escala para decisões governamentais. Empresas como Baidu e Tencent estão na linha de frente dessa inovação, desenvolvendo plataformas e tecnologias que competem diretamente com gigantes americanas como Google e Microsoft.
Do lado americano, a política de Sullivan é clara: garantir que os EUA mantenham sua liderança tecnológica, não apenas desenvolvendo novas inovações, mas também impondo restrições rigorosas para exportações tecnológicas que possam ser utilizadas para propósitos militares pela China. Uma dessas medidas foi a proibição de exportação de chips avançados de IA para empresas chinesas em 2023.
Riscos e implicações para o futuro
A disputa entre as duas superpotências vai além da política industrial. As ações de Sullivan e do governo Biden são, em essência, uma tentativa de definir as regras do futuro digital. Como observou um analista do Council on Foreign Relations, “o que está em jogo é quem dominará as tecnologias emergentes que moldarão o mundo nos próximos 50 anos”.
A interdependência das economias americana e chinesa é um fator que torna essa disputa ainda mais complexa. Enquanto as duas nações competem em frentes como IA e semicondutores, sua cooperação é vital em outros setores. Um exemplo claro é a Apple, cuja dependência da fabricação chinesa para seus iPhones é conhecida, ao passo que a gigante dos chips Qualcomm ainda depende de vendas para empresas chinesas.
No entanto, Sullivan está ciente dos riscos que essa interdependência traz para a segurança dos EUA. Em uma reunião recente do Conselho de Segurança Nacional, ele enfatizou que “nossa estratégia não é desconectar, mas sim diversificar e proteger nossa cadeia de suprimentos”. Isso inclui a formação de novas alianças com países como Japão, Coreia do Sul e Taiwan, todos essenciais para a produção de semicondutores.
A resposta da China: resistência e adaptação
Pequim, por sua vez, não ficou de braços cruzados. Em resposta às sanções e restrições dos EUA, a China intensificou seus esforços para se tornar autossuficiente em setores estratégicos. Em 2023, o governo chinês anunciou o “Plano de Autossuficiência em Semicondutores”, prometendo investimentos de US$ 1,4 trilhão até 2025 para desenvolver tecnologia própria e reduzir a dependência de fornecedores americanos e europeus.
Além disso, a China tem investido fortemente em inovação. A Tencent e a Baidu, duas gigantes de tecnologia chinesas, estão liderando o desenvolvimento de inteligência artificial e aplicativos de big data que desafiam o domínio do Vale do Silício. A batalha, portanto, não é apenas entre governos, mas entre empresas privadas e seus sistemas de inovação.
O papel das alianças internacionais
Para Sullivan, as alianças internacionais são o ponto central da estratégia americana. O conselheiro tem trabalhado para fortalecer laços com países asiáticos, europeus e até mesmo com parceiros tradicionais dos EUA, como o Canadá e o Reino Unido, em um esforço para formar uma coalizão de países democráticos contra o avanço tecnológico da China.
Em 2023, Sullivan foi um dos principais negociadores do Diálogo Quadrilateral de Segurança, conhecido como “Quad”, que inclui os EUA, Índia, Japão e Austrália. O grupo visa, entre outras coisas, limitar a influência chinesa na região do Indo-Pacífico e garantir a segurança das cadeias de suprimento de semicondutores.
No entanto, a China tem buscado fortalecer sua própria rede de alianças, com iniciativas como a “Nova Rota da Seda” (BRI). Através desse projeto, Pequim oferece infraestrutura e tecnologia para países em desenvolvimento, consolidando sua influência e construindo novas rotas comerciais que evitam os EUA e seus aliados. Como resultado, muitos países se encontram em uma encruzilhada, tentando equilibrar sua relação com as duas superpotências.
A guerra fria digital: reflexões finais
O confronto tecnológico entre EUA e China parece estar longe de uma resolução. Para Jake Sullivan, a prioridade é clara: garantir que os Estados Unidos permaneçam na liderança tecnológica global e protejam seus interesses estratégicos. Entretanto, a ascensão da China é um lembrete de que a competição será intensa e prolongada.
“Estamos vivendo uma nova era de guerra fria digital”, comentou um especialista do Instituto Brookings. “Mas, diferentemente da guerra fria do século 20, esta não é apenas sobre ideologia; é sobre controle das inovações que moldarão o futuro da humanidade.”
A jornada de Jake Sullivan é um reflexo da luta mais ampla dos EUA para se adaptar a um mundo multipolar. E embora as consequências dessa batalha ainda sejam incertas, uma coisa é clara: a hegemonia tecnológica será o campo de batalha do século 21.