Introdução
Imagine um continente marcado por décadas de domínio colonial, onde um grito de liberdade ecoa através das suas vastas savanas e cidades fervilhantes . Esse é o cenário da África Ocidental, onde um novo grupo de líderes nacionalistas está emergindo, prontos para desafiar o status quo e reivindicar a soberania de suas nações. No cerne desta transformação está o Níger, um país rico em urânio, que recentemente revogou licenças de mineração de empresas ocidentais em favor de aliados russos. Esta ação é apenas a ponta do iceberg de uma revolução maior que está se desenrolando em antigas colônias francesas. Mas o que está impulsionando essa mudança? E quais são as implicações para o futuro da região e do mundo?
O Renascimento Nacionalista
Nos últimos anos, uma nova geração de líderes nacionalistas tomou o poder em várias nações da África Ocidental, particularmente no Sahel, uma vasta região que se estende do Senegal ao Sudão. Estes líderes, muitos dos quais chegaram ao poder através de golpes militares, estão clamando por uma “segunda independência”, buscando romper com a influência ocidental e afirmar sua soberania. Em países como Burkina Faso, Mali e Níger, o clamor por autonomia é forte, ecoando as palavras de Ahmed Sekou Touré, o primeiro presidente da Guiné independente: “A Guiné prefere a pobreza na liberdade à riqueza na escravidão.”
Líderes em Destaque
Entre os mais proeminentes desses novos nacionalistas estão os líderes militares do Sahel. No Níger, o General Abdourahmane Tchiani tomou o poder em um golpe em 2023, enquanto no Burkina Faso, o jovem Capitão Ibrahim Traoré se declara herdeiro do legado de Thomas Sankara, um líder revolucionário assassinado em 1987. No Mali, a junta militar que assumiu o poder em 2020 também compartilha esses ideais nacionalistas.
Esses líderes frequentemente se apresentam como continuadores da luta anticolonial, adotando retóricas e políticas que enfatizam a soberania nacional. Mamady Doumbouya, líder da Guiné desde o golpe de 2021, por exemplo, renomeou o aeroporto de Conacri em homenagem a Sekou Touré, tentando reabilitar a memória de um líder divisivo.
Desafios e Ceticismos
Apesar da retórica patriótica, é importante manter um ceticismo saudável. Historicamente, líderes golpistas frequentemente se mostram corruptos e egoístas. No Níger, Tchiani derrubou um governo democraticamente eleito quando estava prestes a ser demitido como chefe da guarda presidencial. Além disso, não há evidências concretas de que esses novos líderes tenham conseguido conter a corrupção que tanto criticam.
Segurança e Estabilidade
As demandas por maior soberania também refletem preocupações com a segurança. A região do Sahel, em particular, tem sido um centro de instabilidade, com um recorde de 11.643 mortes ligadas à violência jihadista em 2023. A presença militar ocidental, especialmente francesa, tem sido criticada por não conseguir conter a insurgência islâmica, levando a uma crescente insatisfação local.
Desde 2022, as tropas francesas se retiraram ou foram expulsas de quase todo o Sahel, com exceção do Chade, onde a presença francesa remonta a 1899. No entanto, até mesmo no Chade, o sentimento está mudando. Mahamat Idriss Déby, o líder do país, está considerando o fim da presença militar francesa.
Atração pela Rússia
A busca por novos aliados levou muitos desses países a se voltarem para a Rússia. Mercenários russos, como o Grupo Wagner, têm fornecido proteção aos regimes, ignorando questões de direitos humanos e corrupção. No Níger, após a expulsão das tropas francesas, o governo assinou um acordo de cooperação militar com a Rússia, seguindo os passos de Mali e Burkina Faso.
Nacionalismo Econômico
Outra frente importante dessa nova onda de nacionalismo é a econômica. Por décadas, empresas francesas dominaram o mercado da África Ocidental. No entanto, essa presença tem diminuído, com novas políticas que favorecem a participação local.
No Mali e Burkina Faso, novos códigos de mineração aumentaram a participação acionária mínima dos estados. Na Guiné, o governo revogou mais de 100 licenças de mineração estrangeiras, a maioria delas pertencentes a empresas chinesas, e introduziu requisitos de “conteúdo local” para projetos de mineração. No Senegal, o recém-eleito presidente Bassirou Diomaye Faye está pedindo uma “ruptura” com o modelo existente de relações com o Ocidente, buscando a autossuficiência agrícola e revisando contratos de petróleo e gás.
Impacto Cultural
O novo nacionalismo também se manifesta na esfera cultural. No Senegal, há discussões sobre a possibilidade de abandonar o francês como língua oficial, enquanto aliados do presidente Faye falam em reduzir a influência francesa na educação. Em Burkina Faso, o primeiro-ministro pediu aos cidadãos que resistam à “alienação cultural” imposta pelo Ocidente.
Uma Análise Crítica
Embora esses movimentos nacionalistas sejam motivados por um desejo legítimo de soberania, eles também trazem consigo desafios significativos. Muitos desses novos líderes são autoritários declarados. No Mali, a junta militar anunciou um atraso na transição para a democracia, e em Burkina Faso, Traoré declarou sua elegibilidade para disputar as eleições de 2029. Na Guiné, Doumbouya, que prometeu o fim da era do poder personalizado, tem sua imagem onipresente em Conacri, indicando uma crescente personalização do poder.
Repressão e Direitos Humanos
A repressão está se intensificando em várias dessas nações. Jornalistas foram presos ou forçados ao exílio, e manifestantes foram mortos a tiros. Grupos de direitos humanos acusam o exército de Burkina Faso de massacrar civis. Apesar de evocarem figuras progressistas como Sankara, muitos desses novos líderes não promovem os direitos humanos e a igualdade de gênero.
Pan-Africanismo e Integração Regional
Os novos nacionalistas também se veem como pan-africanistas, buscando integrar suas nações em uma visão mais ampla de unidade africana. No Senegal, Faye renomeou o Ministério das Relações Exteriores para “Ministério da Integração Africana e Relações Exteriores” e tem feito tours pelas capitais regionais. No entanto, a relação com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) é complexa. Mali, Burkina Faso e Níger deixaram a CEDEAO, formando a rival Aliança dos Estados do Sahel (AES). A região está dividida por disputas comerciais e sanções, aumentando as tensões interestatais.
Conclusão
O novo nacionalismo da África Ocidental é um movimento complexo e multifacetado, impulsionado por um desejo profundo de soberania e autonomia. No entanto, ele também enfrenta desafios significativos, desde a corrupção até a repressão dos direitos humanos. À medida que esses líderes navegam por um mundo cada vez mais multipolar, suas nações buscarão equilibrar a afirmação de sua soberania com a necessidade de parcerias estratégicas.
O futuro desses movimentos nacionalistas dependerá de sua capacidade de cumprir suas promessas de soberania, justiça e desenvolvimento econômico. Se conseguirem, poderão realmente inaugurar uma nova era de independência e prosperidade para a África Ocidental. Caso contrário, correm o risco de repetir os erros do passado, substituindo um domínio estrangeiro por outro.
Independentemente do desfecho, uma coisa é clara: a África Ocidental está em um ponto de inflexão, e o mundo estará atento aos próximos capítulos desta história em evolução. Como espectadores globais, cabe a nós apoiar os movimentos que promovem a liberdade e a justiça, enquanto criticamos e resistimos àqueles que perpetuam a opressão e a corrupção. Assim, talvez possamos contribuir para um futuro onde a África possa finalmente se erguer como um continente verdadeiramente livre e soberano.